23.3.09

Considerações sobre a definição de conceitos

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Grande parte das discussões sobre o tema da Predestinação e livre-arbítrio acaba empacando no meio porque na verdade não existe acordo nem mesmo no ponto de partida: nos conceito de Liberdade e Soberania. Para a discussão avançar, primeiro, temos que chegar num consenso a respeito do que realmente significa Liberdade, e o que realmente significa Soberania. Se não há consenso neste ponto, não há o que discutir. Por isso eu sugiro, como ponto de partida, que discutamos estes dois conceitos. Antes, contudo, gostaria que analisássemos este texto preliminar sobre a definição de conceitos.


DEFINIÇÃO DE CONCEITOS

Continuo acreditando na regra básica de interpretação que diz que sempre devemos seguir o caminho do significado mais óbvio, natural e evidente das palavras. E só mudarmos este significado se existir uma razão muito boa, bem fundamentada, e também evidente para isso. Se não fizermos isso corremos o risco de fazer como fazem alguns filósofos: definem um termo exatamente da maneira que ele se encaixe no seu sistema de idéias pré- concebidas. Eu defino a palavra "garfo" como "instrumento utilizado para espetar". Ora, eu posso fazer isso. Não estou necessariamente errado. Mas será que não seria mais coerente eu manter a definição mais óbvia e natural da palavra, "Instrumento utilizado para comer"?? Certamente definir o garfo com "instrumento para espetar" parece demonstrar uma certa segunda intenção, que poderia ser, por exemplo, acusar alguém de assassinato com um garfo.

Infelizmente muitos filósofos e teólogos se utilizam desse recurso: definem a palavra de acordo com suas idéias pré-concebidas. Poderíamos dar outro exemplo. A palavra "místico". Quando falamos do "lado místico do homem", a significação mais óbvia e simples seria o "lado misterioso do homem", uma vez que a palavra "místico" deriva do grego, mistério. No entanto alguém definiu posteriormente a palavra "místico" como relacionada à religião (provavelmente porque entendeu que a religião tem a ver com mistérios). Essa pessoa poderia estar equivocada; mas o fato é que o termo "pegou" e começou a ser usado neste sentido. Então o "lado místico do homem" passou a ser entendido como o "lado religioso do homem". Mais recentemente a palavra "místico" passou a ser entendida como mágico, fantástico, sobrenatural, etc, então a frase o "lado místico do homem" passou a ser utilizado pejorativamente, relacionada com as religiões exotéricas, que beiram a magia, que dão ênfase a contemplação e a meditação. A razões porque ocorre esta mudança de siginificação ao longo do tempo não cabe aqui discutir, o fato é que percebemos que as definições sucessivas da palavra muitas vezes provocam um afastamento do significado natural e óbvio do termo (é bem verdade que no caso dessa palavra não se afastou tanto). O filósofo deve procurar evitar isso, sempre que possível, ou, pelo menos, tentar afastar-se o mínimo possível desse significado natural.

De qualquer forma, se um filósofo for escrever um tratado sobre o tema a primeira coisa que ele deve fazer é definir o conceito de místico, no exato sentido em que ele o usará. Entretanto, dependendo de como ele definir este conceito, poderá obscurecer mais o assunto do que revelar,como frequentemente acontece, e criar armadilhas para ele mesmo.

Aplicando este tema na matéria de interpretação podemos dizer que, quando olhamos para um texto escrito em outra época, temos que entender o significado dos termos, em primeira análise, no seu sentido mais óbvio; em seguida, investigarmos se realmente o termo era utilizado naquela significação na época do texto; para só então - se encontrarmos razões fortes o suficiente para isso - mudarmos o significado óbvio da palavra e definirmos o termo de forma mais coerente.

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